Quebra-cabeças

É... depois do AVC a gente começa a dar a volta por cima, como um quebra-cabeças. Uma peça pequena ou grande, quadrada ou retangular, oval ou circular, momentos ruins ou bons, leves ou tensos, felizes ou tristes, obstáculos ou oportunidades. A minha vida parecia um quebra-cabeças todo embaralhado e com peças faltando.
Como montamos quebra-cabeças? Como aprender a falar, escrever, ler e compreender? E o paladar e o tato alterados? Uma pessoa que teve um AVC (com afasia) volta a viver como uma criança? Uma palavra que eu tentasse falar , saía outra complemente diferente, confusas, sem sentido nenhum.
Me senti pessoa inútil.
Um processo muito lenta e gradual. Minha família estava me apoiando e estimulando. Meu marido e uma fonoaudióloga começaram a me ensinar as letras e palavras. Por exemplo: a, e, i, o, u; a, b, c, d, e, f ... z; ba, be, bi, bo, bu; da, de, di, do, du; la, le, li, lo, lu; bola, dedo, bolo...
Algo novo também aconteceu; eu nunca pensei em escrever poesias, mas comecei a me lembrar das palavras. Por exemplo:
NATUREZA
Oceano, mar e praia para emocionar
Árvore, folhas e flores para perfumar
Sol, lua e estrelas para iluminar
Animais, peixes e pássaros a cantar
Para todo mundo respeitar.
Terra, céu e ar para permanecer
Rios, mata e floresta para proteger
Clima, tempo e atmosfera para viver
Encanto, aroma e paz a aprender
Para todo mundo agradecer.
Eu comecei a cantar as músicas que fui lembrando, e as palavras começaram a fluir.
Como em um quebra-cabeça, porém com as letras e os números. Pode haver dificuldades em encontrar as peças certas, mas no final, o importante não é ter todas as peças, é colocá-las no lugar.
Com o tempo vamos aprendendo a lidar melhor com certas situações e colocar cada peça em seu devido lugar.
Aprendi a enfrentar uma coisa por vez, a respeitar meu tempo e não me sobrecarregar.